Júlio Pomar

Júlio Pomar nasceu em Lisboa, a 10 de Janeiro de 1926, e faleceu a 22 de Maio de 2018 na mesma cidade. Instalou-se em Paris em 1963.

Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e as Escolas de Belas-Artes de Lisboa (1942-44) e do Porto (1944-46), a qual abandonou depois de uma suspensão disciplinar por actividades estudantis. Fez parte, a partir de 1946, da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD), actividade pela qual foi detido no ano seguinte e condenado em tribunal. Em 1949, por ocasião da participação na candidatura presidencial de Norton de Matos, de quem desenhou um retrato muito divulgado, foi afastado do lugar de professor de desenho no ensino técnico.

Expôs pela primeira vez em 1942, em Lisboa, numa mostra de grupo no seu atelier, e realizou a primeira exposição individual em 1947, no Porto, na Galeria Portugália, apresentando desenhos que seriam no ano seguinte editados num álbum prefaciado por Mário Dionísio. No início da sua carreira, foi um dos animadores do movimento neo-realista, desenvolvendo uma larga intervenção crítica em jornais e revistas: “A Tarde” (diário publicado no Porto, onde coordenou a página semanal “Arte”, em 1945), “Mundo Literário”, “Vértice”, “Seara Nova”, “Horizonte”, “Portucale”, “Comércio do Porto”, etc. Participou na organização das Exposições Independentes, em 1944-45, no Porto, e depois na da Exposição da Primavera (Porto, Ateneu Comercial, 1946), sendo um dos principais organizadores das Exposições Gerais de Artes Plásticas (Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1946/1956). Em 1956, foi um dos fundadores e primeiros membros da direcção da Cooperativa “Gravura”.

Após esse período de afirmação inicial, com um marcado cunho de intervenção política no contexto do pós-guerra, a pintura de Pomar orientou-se no sentido de uma observação do real que interroga a aparição da imagem, definindo os corpos em movimento numa figuração discontínua e fragmentária, a qual teve a sua mais conhecida expressão nas séries “Tauromaquias” (1960-64) e “Les Courses”, corridas de cavalos (1964-66), expostas em Paris na Galerie Lacloche. Organizando-se em ciclos temáticos a que correspondem rupturas ou novas linguagens formais, a obra de Pomar prosseguiu com os ciclos “Rugby”, “Maio 68” e “Le Bain Turc, d’après Ingres” (1967-73), tendo o Museu do Louvre exibido um quadro desta série no âmbito de uma exposição dedicada ao quadro de Ingres (1971).

A um período em que predominam os retratos (1972-76 – primeiro expostos na Galeria 111, Lisboa, em 1973), onde as formas sintéticas e emblemáticas se definem em planos de cores lisas, sucede a opção por processos de colagem de telas recortadas e previamente pintadas, por vezes também com a incorporação de objectos encontrados, a que correspondem os temas eróticos das exposições “L’Espace d’Eros” (Galerie de la Différence, Bruxelas, 1978) e “Théâtre du Corps” (Galerie Bellechasse, Paris, 1979).

Entre os mais significativos ciclos posteriores, onde já é patente o regresso a uma vibrante gestualidade pictural, podem destacar-se “Os Tigres” (Paris, 1981; Lisboa, 1982) e novas séries de retratos a propósito do poema “O Corvo”, de Edgar Poe, e de “Mensagem”, de Fernando Pessoa (1982-86). Deslocações ao Brasil estão na origem das exposições “Os Mascarados de Pirenópolis” (1988, Lisboa e Madrid) e, após uma estadia no Alto Xingú, Amazónia, “Os Índios” (Madrid e Paris, 1990).

Os temas literários, incluindo por vezes a revisitação irónica dos mitos clássicos e bíblicos, são retomados nas obras mostradas nas exposições “Fables et Portraits” (Galerie Piltzer, Paris, 1994) e “O Paraíso e Outras Histórias” (Culturgest, Lisboa, 1994), “La Chasse au Snark”, em telas de muito gramde formato, a propósito de Lewis Carroll (Galerie Piltzer, Paris, e Salander-O’Reilly Gallery, Nova Iorque, 1999-2000) e “Trois Travaux d’Hercule et quelques chansons réalistes” (Galerie Patrice Trigano, Paris, 2002), enquanto a relação com a Amazónia reaparece em “Les Joies de Vivre” (Galerie Piltzer, Paris, 1997) e “Méridiennes – Mères Indiennes” (Galerie Patrice Trigano, Paris, 2004). “Fables et Fictions”, novas esculturas em bronze, foram mostradas na Galerie Le Violon Bleu, na Tunísia, em 2004.

A primeira retrospectiva da obra de Pomar foi organizada em 1978 pela Fundação Gulbenkian e exibida na sua sede em Lisboa, no Museu Soares dos Reis no Porto e, parcialmente, em Bruxelas. Em 1986, uma nova exposição antológica foi apresentada também pela Fundação Gulbenkian em museus de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, e por fim no Centro de Arte Moderna, em Lisboa.

Entre outras antologias de âmbito temático ou cronológico, salientam-se as seguintes: em 1990, obras de temas brasileiros, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Lisboa (“Pomar/Brasil”); em 1991, pinturas e desenhos sobre temas literários e retratos de escritores («Pomar et la Littérature»), Charleroi, Bélgica; em 1992-93, trabalhos dos anos 80, itinerante em Portugal; em 1997, obras sobre o tema de D. Quixote, em Cascais, e pinturas sobre os Índios do Brasil, em Biarritz, França; em 1998, com posterior itinerância nacional, obra gráfica; em 2005, ilustrações e obras de temas literários, em Tavira. Outras mostras antológicas de pintura tiveram lugar em 1999-2000, em Macau e Pequim; 2001, em Aveiro (“Pinturas Recentes”, de 1995-2000); 2003, em Istambul e em Amarante.

Em 2004, o Sintra Museu de Arte Moderna – Colecção Berardo apresentou uma vasta retrospectiva intitulada “Pomar/Autobiografia”, comissariada por Marcelin Pleynet, enquanto o Centro Cultural de Belém expôs a antologia “A Comédia Humana”, organizada por Hellmut Wohl a propósito da obra das décadas mais recentes.

Pomar tem-se dedicado especialmente à pintura, mas realizou igualmente trabalhos de desenho, gravura, escultura e «assemblage», ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo. De entre as encomendas para edifícios públicos, para além dos frescos pintados no Cinema Batalha (Porto 1946-7), ocultados por ordem policial, destacam-se os trabalhos em azulejo para as estações de Alto dos Moinhos (1983-84), Jardin Botanique, em Bruxelas (1992), e Corroios (1998), e também para o Gran’Circo Lar (Brasília, 1987) e a sala de audiência do Tribunal da Moita (com o arquitecto Raul Hestnes Ferreira, 1993), bem como as tapeçarias executadas para as sedes do Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos.

Entre as numerosas obras que ilustrou contam-se “Guerra e Paz” de Tolstoi (1956-58); “O Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro (1957); “D. Quixote”, de Cervantes (em 1960 e de novo em 2005); “A Divina Comédia”, de Dante (1961, desenhos reeditados em 2006 com novos retratos do autor); “Emigrantes” e “A Selva”, de Ferreira de Castro (1966 e 1973); “Pantagruel”, de Rabelais (1967); “Kidama Vivila”, de Gilbert Lely (1977); “Rose et Bleu”, de Jorge Luís Borges (1978); “Mensagem”, de Fernando Pessoa” (1985); “La Chasse au Snark”, de Lewis Carroll (1999).

Júlio Pomar integrou a representação portuguesa na Bienal de São Paulo de 1953, participou na Exposição Internacional de Pittsburgh, do Carnegie Institut, em 1964, e de novo nas Bienais de São Paulo de 1975 e 1985. A Fundação Calouste Gulbenkian, de que foi bolseiro entre 1964 e 1966, em Paris, atribuiu-lhe o Prémio de Gravura (ex-aequo) na sua I Exposição de Artes Plásticas, em 1957, e o 1º Prémio de Pintura (ex-aequo) na II Exposição de Artes Plásticas, em 1961. A Fundação FVG, de Hamburgo, concedeu-lhe o Prémio Montaigne em 1993. Recebeu o Prémio AICA-SEC em 1995, o Prémio Celpa / Vieira da Silva, em 2000, e em 2003 o Prémio Amadeo de Souza-Cardoso.

Das várias publicações monográficas sobre a sua obra podem salientar-se os textos de Mário Dionísio (ed. dos autores, 1948; Clássica Editora, 1985; Publicações Europa América, 1990); Ernesto de Sousa (ed. Artis, 1960); Helena Vaz da Silva (ed. António Ramos, 1980); Jean Guichard-Meili e Wolgang Sauré (Paris, 1981); Claude-Michel Cluny (Paris, 1985 e 1994); Fernando Gil (Imprensa Nacional, 1987); Michel Waldberg (Paris, 1989 e 1990); Marcel Paquet (Paris, 1991); Alain Gheerbrandt (Paris, 1997); Marcelin Pleynet (Paris, 1997, 1999 e 2004); António Lobo Antunes (Galeria 111/Pub. D. Quixote, 2002); Mário Cláudio (Caminho, 2007).

Escreveram igualmente sobre o seu trabalho, entre outros autores, Rui Mário Gonçalves, Fernando Pernes, Fernando de Azevedo, José Luís Porfírio, José-Augusto França, Manuel Castro Caldas, João Pinharanda, Alexandre Melo, José Cardoso Pires, Vasco Graça Moura, Eduardo Lourenço, Nuno Júdice, Antonio Tabucchi, Paulo Herkenhoff, Denys Chevalier, Roger Munier, Patrick Waldberg, Pierre Cabanne, Gérard-Georges Lemaire.

Os dois primeiros volumes do catálogo «raisonné» da obra de pintura e escultura foram publicados, pelas Éditions de la Difference, em Paris, com ensaios críticos de Alexandre Pomar e Marcelin Pleynet (volume I, 2004, em co-edição com Arte Mágica, Lisboa) e de Raquel Henriques da Silva e Michel Waldberg (volume II, 2001).

Além de diversos textos publicados em revistas e catálogos, sobre outros artistas e sobre a sua própria obra, Pomar é autor dos livros de ensaios sobre pintura “Discours sur la Cécité des Peintres” (Editions de la Différence, Paris, 1985), com tradução portuguesa de Pedro Támen, “Da Cegueira dos Pintores” (1986, Imprensa Nacional); “– Et la Peinture?” (La Différence, 2000) e “Então e a Pintura?” (D. Quixote, 2003).

Publicou dois livros de poesia: “Alguns Eventos” (Pub. D. Quixote, 1992) e  «TRATAdoDITOeFeito» (D. Quixote, 2003).

Texto: Fundação Julio Pomar